Balões de vigilância: Quanto estamos dispostos a ceder para nos sentirmos mais seguros?
by Digital Rights LAC on outubro 27, 2015
Essa é a grande questão por detrás da nova tecnologia de vigilância implementada por dois bairros da cidade de Santiago, e agora está em questão porque atenta, entre outros direitos, fortemente contra a privacidade das vizinhas e vizinhos.
Paula Jaramillo, pesquisadora da ONG Derechos Digitales
“Eu posso imaginar, com abundância de calafrios, a nitidez com que se pode ver o meu quarto. E não só durante o dia, uma vez que a câmera também possui visão noturna”. Stephanie Söffge é capaz de ver com perfeita clareza o balão de vigilância localizado a apenas 90 metros da janela de sua casa. Desde que o balão foi instalado, ela teve que alterar sua rotina diária: “Ele me forçou a fechar constantemente as janelas e já não posso mais viver uma vida tranquila como estava acostumada, sinto-me vigiada 24 horas por dia, 7 dias por semana.”
Söffge sofre as consequências dos balões aeroestáticos de vigilância localizados em Las Condes e Lo Barnechea, uma tecnologia militar de origem israelense que é utilizada na Faixa de Gaza e na frontera entre o México e Estados Unidos. Como se pode concluir, esta é uma medida altamente intrusiva: eles possuem uma câmera de 360 graus com visão noturna e ponteiro laser que pode reconhecer uma pessoa se movendo a mais de 1,5 km de distância, 24 horas por dia .
No Chile, a propósito, os prefeitos de ambas as comunidades têm justificado a sua utilização para combater a criminalidade e reforçar a vigilância do tráfego de veículos.
Os acontecimentos recentes sugerem que a discussão sobre privacidade e segurança deve ser tomada com a máxima seriedade e não pode ser vítima de argumentos levianos. Todas e todos têm o direito a uma vida segura, mas prescindir de nossa privacidade deve ser o custo?
A discussão séria se torna essencial em nossos países, já que muitos dos cidadãos não estão suficientemente conscientes da importância primordial do direito à privacidade, a ponto de estarem dispostos a trocá-lo ante a promessa de maior segurança pública, sem perceber que, na verdade, estamos fazendo com que nossas casas e ruas se transformem em uma grande prisão a céu aberto, vigiados panópticamente por desconhecidos cujos interesses são totalmente alheios aos nossos.
Neste contexto, as medidas de vigilância em massa e indiscriminada não devem ser toleradas em um estado democrático de direito, sob o risco de que se expandam descontroladamente sem considerar os direitos fundamentais que estão sendo lesionados. É por isso que a Derechos Digitales, juntamente com duas outras organizações de direitos humanos no Chile, apresentaram um recurso de proteção perante a Corte de Apelações de Santiago, para que a justiça determine a legalidade, a justificação e a adesão aos direitos fundamentais da medida implementada.
Os balões de vigilância afetam pelo menos três direitos constitucionalmente garantidos: a proteção da privacidade, a inviolabilidade do domicílio e direitos de propriedade em sentido amplo. Além disso, no recurso se fez presente tanto a violação das leis que regulam o tratamento de dados pessoais no Chile e atividades municipais; como a arbitrariedade contida nesta medida controversa.
Sobre este último ponto se concentram aspectos que vão desde a falta de proporção em relação ao objetivo perseguido -segurança pública e fiscalização de trânsito mediante câmeras que podem gravar com alta precisão inclusive dentro de domicílios-, até a discriminação implícita que ela carrega, considerando os fatores levados em conta para propor o projeto, como a decisão da instalação geográfica dos dispositivos (por índices socioeconômicos).
Agrava o fato de que as pessoas encarregadas pela gravação das imagens não são funcionários municipais e não estão sujeitos a obrigações específicas relacionadas com o seu trabalho, sendo especialmente delicada a ausência de um dever de confidencialidade. Assim, parece que a punição mais severa em caso de grave violação dos direitos fundamentais de uma pessoa seria a perda do posto de trabalho, o que claramente não possui nenhuma razoabilidade.
As políticas públicas de combate à criminalidade são uma obrigação para as nossas autoridades, mas também é um dever ajustar estas medidas em conformidade com a lei, sem ceder ou abandonar nossos direitos fundamentais, deixando-os à mercê de qualquer um que poderia lesioná-los gravemente com impunidade. É hora de exigir um debate sério quando se trata de segurança, um que entenda a privacidade não como um incômodo, mas como um espaço crítico para desenvolver livremente a nossa personalidade e individualidade.
Imagem: (CC-BY) Constanza Figueroa / Derechos Digitales