Estes novos carros coloridos (do Google) na Argentina
by Digital Rights LAC on novembro 22, 2013
Por Atilio Grimani e Emiliano Villa
A chegada do Street View na Argentina levanta vários dilemas que deve ser reduzida para alcançar um equilíbrio entre as vantagens oferecidas pela ferramenta e os possíveis efeitos supervenientes à privacidade.
Córdoba e Esmeralda, Buenos Aires. 10h15min da manhã. Asimagens de pedestres, prédios, carros e marcos da cidade estão prestes a se tornar em bitsde informação e passar para o estrelato digital. Um carro multicolorido com uma câmera de última tecnologia presa ao seu teto não passa despercebido. Ele se move furtivamente pelas ruas e pelas avenidas, registrando tudo o que acontece ao seu redor. O futuro já chegou, e com ele, uma avalanche de potenciais vantagens e, é claro, de potenciais problemas.
O Street View, lançado pela primeira vez em maio de 2007 nos Estados Unidos, desembarcou na Argentina no mês passado, e começou a fazer um registro tridimensional da Capital Federal, da Grande Buenos Aires, de La Plata, deRosario, de Santa Fe e de Córdoba. No entanto, antes que essas imagens pudessem se tornaroperativas – o processotécnico de upload leva de oito meses a um ano para ser completado, de acordo com a empresa –, já surgiram vários detratores, provenientes de diferentes searas. Isso se deve, em grande parte, às experiências de outros países onde esta tecnologia já ancorara há mais tempo. O medo de que se repitam os mesmos erros e afrontas a direitos predispõe negativamenteos indivíduos mais preocupados com a privacidade, cada vez mais expostas nos dias de hoje.
O direito à intimidade – e sua consequente derivação, qual seja, o direito à própria imagem – parece ser o ponto de partida das principais objeções. A obtenção de fotografias de vários cidadãos sem seu consentimento, feita por um veículo multicolorido o qual porta em seu teto uma sofisticada câmera, é um problema crucial que expõe o choque existente entre essa prática e determinadas leis de Proteção de Dados Pessoais vigentes em muitos países, como, por exemplo, a própria Argentina. Por conseguinte, muitas vezes o Street View se torna objeto de críticas e de reclamações.
Diante de queixas semelhantes, desde 2008 , o Google desenvolveu um algoritmo capaz de embaçar automaticamente rostos e placas de veículos. No entanto, muitos creem que isso não é suficiente. Os responsáveis do Google na região têm deixado claro que, uma vez feito o upload das fotografias, os usuários que se sentirem afetados terão – como ocorre no Facebook, por exemplo – a possibilidade de reportar as imagens que identifiquem como inadequadas para que sejam revistas e eventualmente removidas do sistema.
Porém, os críticos vão além ao questionarem, por exemplo, a captura de imagens de fachadas de casas particulares. Tem-se dito que, em determinados casos, a identificação de um domicílio pode afetar, por várias razões, a intimidade de seu proprietário. Em hipóteses com esta, a companhia oferece a possibilidade de pedir – sempre de forma concreta – a remoção das fotografias que tenham retratado tais casas. Mais uma vez, a medida parece ser insuficiente para evitar a individualização em todos os casos. A rigor, em diferentes regiões da Europa, esse sistema, cuja gênese está relacionada à prestação de serviço aos usuários que circulavam virtualmente por diferentes cidades e por suas áreas metropolitanas circundantes, teve usos menos convencionais. Os fiscais da Fazenda Pública não hesitaram em usar esta ferramenta para seu próprio benefício, como uma alternativa às práticas tradicionais para se evitar a fraude, isto é, cotejar as imagens obtidas mediante o Google Street View com os registros de propriedade em busca de edifícios não declarados. Em outras palavras, as novas tecnologias, elaboradas essencialmente para servir aos interesses dos particulares, acabam por ser utilizadas contra eles – ou, pelo menos, contra suas contas bancárias.
Uma última questão – não vinculada às fotografias, mas não menos preocupante – que tem gerado fortes críticas, especialmente nos Estados Unidos e na Alemanha, está relacionada com a captura de informações privadas dos transeuntes através do sistema de Wi-Fi usado pelos veículos do Google. Com efeito, os veículos de captura de imagens também rastreavam hot spotsde Internet sem fio. No entanto, foi relatado que, entre os dados coletados automaticamente, havia e-mails, senhas, endereços e números de telefones de pessoas as quais, enquanto os veículos realizavam suas tarefas de mapeamento fotográfico do entorno, se encontravam desprevenidas, conectadas a uma rede Wi-fi aberta por meio de diferentes dispositivos eletrônicos. A empresa, que foi declarada culpada em inúmeras ocasiões por tribunais de Justiça, comprometeu-se a melhorar suas políticas de segurança nesse aspecto.
Localmente, o Google já foi chamado a responder perante os tribunais da Cidade de La Plata, Província de Buenos Aires, devido a ações de tutela por meio das quais se pediu o impedimento da captura de imagens. Os reclamantes sustentaram que fotografar fachadas e transeuntes sem a devida autorização viola a privacidade dos sujeitos retratados. A Justiça de primeira instância da capital indeferiu a ação por não ter encontrado uma afronta à privacidade e à intimidade, já que se tratam de fotos obtidas em via pública. Contudo, houve apelação.
Enquanto isso, o carro do Google ainda segue pelas ruas da cidade. Vemo-lo uma, duas, três vezes. E ele, por sua vez, também nos vê.