O TPP depois dos vazamentos do Wikileaks
by Digital Rights LAC on dezembro 21, 2013
O único mecanismo real de transparência com o qual os cidadãos têm contado ao longo desses anos de negociação do TPP é o Wikileaks. Nesse contexto, intolerável para a democracia, podemos inferir qual é o padrão inflexível de propriedade intelectual que os Estados Unidos querem exigir de seus sócios comerciais.
Por Claudio Ruiz, ONG Direitos Digitais
Um dos aspectos que demonstram claramente os problemas da Parceria Transpacífica (TPP, em inglês) é o fato de que as negociações têm sido conduzidas a portas fechadas, desde o começo. Parece, a princípio, que o segredo teria sentido se analisado sob a perspectiva das negociações de temas sensíveis para os países em desenvolvimento, eis que poderia prover uma margem de negociação, permitindo, assim, melhores acordos. No entanto, isso só seria verdade em um mundo ideal, onde haveria mecanismos de participação democrática operando em paralelo e onde todas as partes interessadas gozariam de oportunidades iguais para contribuírem para um debate amplo. Na verdade, a sociedade civil não possui as mesmas condições de participação e isso se torna ainda mais sério e complicado se as negociações são secretas, como é o caso do TPP.
O TPP deveria nos fazer pensar sobre os conceitos de transparência e de participação. Por exemplo, em algumas negociações, instituíram-se mecanismos para a inclusão dos participantes, mas eles estão muito distantes de quaisquer princípios de accountability, e por isso, são convertidos em processos que mais se assemelham à caixa preta de um avião. Estes, fazendo referência a princípios de transparência e de participação, não vão além de manter um status quo obscuro, que é favorável aos lobbies empresariais.
Em meio a essa falsa ideia de transparência, é um pouco irônico perceber que o Wikileaks acaba por ser responsável pela entrega de informações significativas acerca do futuro dos nossos países no tocante à regulação. E hoje, à luz da documentação de propriedade intelectual do tratado da qual dispomos, podemos dizer, com maior certeza, que o panorama é bastante sombrio.
Propriedade intelectual no TPP
O que o TPP promove põe em xeque as possibilidades de mudança no campo da regulação nos países em desenvolvimento, especialmente no que tange à maneira como nós queremos construir um sistema de propriedade intelectual e ao papel do Estado diante das futuras gerações. O TPP reescreve não apenas os tratados de livre comércio já existentes, mas também os acordos internacionais atuais e suas regulações, em certo grau, inflexíveis. Em suma, ele fecha bruscamente as portas para repensar o futuro da propriedade intelectual, devido à pressão de algumas indústrias do passado.
O TPP não é apenas mais um acordo internacional. Seus promotores o veem como um acordo-chave para o futuro, e até se referem a ele como um tratado de “nova geração”. Contudo, ninguém pode dizer com certeza qual é, de fato, seu objeto. Tampouco se sabem quais são os benefícios palpáveis que ele pode gerar às economias em desenvolvimento.
O vazamento do capítulo sobre propriedade intelectual mostra que esse conceito de “nova geração” implica uma estratégia agressiva do governo estadunidense de revitalizar todos os padrões possíveis de proteção, por meio de uma linguagem que força seus parceiros a mudarem suas legislações atuais, mesmo se aprovadas recentemente pelo Congresso, limitando, assim, o papel do Estado e até forçando-os a adotar tratados internacionais já em vigor. Sob essa perspectiva, alguns congressistas norte-americanos se opuseram à ideia de “legislar diplomaticamente”, evitando os mecanismos das democracias representativas.
Em certa medida, é verdade que o TPP é considerado um acordo de “nova geração”, eis que os países são forçados a fazerem normas que seriam impossíveis de passarem pelo crivo do Congresso. Legislar por meio de FTAs é certamente um novo meio de fazer leis.
Um artigo recente da imprensa, publicado há apenas algumas semanas, mencionou que o principal problema jaz no fato de que o TPP impossibilitaria uma eventual reforma dos direitos autorais. Enquanto isso, mesmo sem a existência do TPP, já se revela difícil de acontecer, o princípio da proteção automática e a exagerada regra dos 50 anos de proteção depois da morte do autor, por sua vez, já gozam de expressa menção na Convenção de Berna. Esse tema ganha especial sentido depois que se faz uma análise das falhas inerentes a muitos dispositivos do TPP, que se mostram semelhantes a determinados artigos presentes em outros acordos internacionais, como é o caso da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI ou WIPO, em inglês).
O futuro do TPP
Nos Estados Unidos, o future do TPP tem sido questionado devido à falta de apoio para a última fase do procedimento no Congresso, apesar de toda a pressão feita pelo Presidente Obama, a qual permitiria que as negociações progredissem e que o Congresso norte-americano aprovasse ou rejeitasse as propostas ao fim das negociações.
No Chile, a situação é similar, mesmo sem a necessidade de haver autorização. Contudo, não ter a aprovação do Congresso não implica absolutamente uma revisão robusta da legitimidade do texto final do TPP, já que ele só pode ser aprovado ou rejeitado, e não pode ser discutido o mérito das questões submetidas à aprovação.
Por outro lado, é difícil pensar que o Congresso chileno pode modificar completamente o que foi estabelecido em mais de três anos de negociações e de gastos de recursos públicos. Porém, também é incomum que um país em desenvolvimento fechará suas portas para um acordo de comércio que inclui os EUA. Decerto, o texto final incluirá os benefícios para o país em uma das muitas áreas abarcadas pelo TPP, mas isso deve ser avaliado à luz dos muitos aspectos potencialmente prejudiciais aos direitos dos cidadãos apenas no capítulo dedicado à propriedade intelectual.
No tocante ao assunto em tela, uma das questões mais importantes, que ainda não foi devidamente respondida, diz respeito ao motivo pelo qual o Chile está tão determinado em ir adiante com o TPP, uma vez que ele já faz parte de tratados de livre comércio com os países do TPP. A rigor, o tratado de livre comércio com os Estados Unidos está prestes a comemorar seu décimo aniversário e parece não haver razões para renegociar nenhum de seus termos.
Se o TPP for aprovado, seus artigos moldarão, pela via internacional, as possibilidades de o Chile decidir acerca do modo como suas regulações devem incidir sobre temas sensíveis para a economia e para a vida de seus cidadãos, sob a égide da proteção do livre comércio. Sem ir mais a fundo, ano após ano, o representante do comércio norte-americano faz questão de pessoalmente relembrar o governo chileno de quão desapontados estão os Estados Unidos pelo modo como o FTA tem sido implementado no país, colocando-o sob regime de prioridade na lista de países que respeitam a propriedade intelectual ao redor do mundo. O TPP não resolverá o problema, pelo contrário: apenas salientará seus piores aspectos.
Até o momento em que este texto foi escrito, o estado das negociações era incerto. No entanto, é sabido que muitos dos capítulos estão fechados à intervenção de negociadores técnicos e que os mais problemáticos dentre eles, como aquele dedicado à propriedade intelectual, devem ser finalizados por negociadores políticos.
O TPP apresenta padrões de transparência muito arcaicos e cria sérios obstáculos para que os países possam fazer decisões autônomas acerca dos seus futuros mecanismos de regulação. Talvez, além dos reflexos gerados pelos segredos das negociações, ele pode nos fazer pensar acerca do modo como nós poderemos construir a diplomacia comercial no futuro.
*Claudio Ruiz é Diretor Executivo da ONG Direitos Digitais.
Claudio@derechosdigitales.org