A Internet no México a dois anos da #ReformaTelecom

by Digital Rights LAC on julho 14, 2015

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Principalmente pelos efeitos da convergência, mas acima de tudo, pela sua natureza facilitadora de direitos, a Internet é um ponto essencial em qualquer análise da reforma das telecomunicações no México, que incluiu mudanças constitucionais, a lei regulamentar está em processo de conclusão com as orientações do regulador. Embora houvesse aqueles que desqualificaram como “pequenas questões” quando a discussão pretendia levantar assuntos relacionados a esta matéria, as tendências internacionais têm vindo a arrastar os seus problemas associados cada vez mais perto dos mexicanos a um ponto onde é impossível escapar deles.

Por Carlos Brito*

O primeiro ponto a tratar é, desde o ínicio, relacionado com o acesso. Embora a AMIPCI relata uma cobertura de 51% da população conectada, também há uma concentração desigual entre os estados e regiões (de 2013 a 2014 a taxa de crescimento foi de 13%, enquanto de 2014 a 2015 foi de 5%). Essas lacunas, de acordo com a reforma, devem ser combatidas por meio de elementos ligados a gerar mais concorrência, mas também através de vários instrumentos de política pública que incrementariam as bases da infraestrutura, como a rede compartilhada de 700 MHz e a ampliação da rede de backbone do Estado para a exploração de novos operadores e alguns dos estabelecidos (o que, em princípio, poderia aumentar a cobertura).

Ambos os projetos não estão apenas atrasados por vários meses em seu cumprimento, a rede compartilhada tem recebido ajustes que diminuem sua capacidade e tornou-se menos atraente mediante outras licitações, enquanto o projeto estrutural de rede deveria ter começado em dezembro de 2014 e deveria estar operando em 2018, além disso foram dados sinais de que há tentativas de conseguir uma contrarreforma que acabe por anulá-los completamente. Finalmente, as concessões de tipo social, comunitário e indígena, não estão restritas a radiodifusão, uma vez que de acordo com a reforma constitucional, também podem ser estendidos para fornecer serviços de telecomunicações.

Os esforços bem sucedidos da sociedade civil, tais como os de Rhizomatica em Talea de Castro e em outros locais de Oaxaca são um exemplo que poderia ser replicado em diferentes partes do país, onde os operadores se recusaram a fornecer cobertura e que o regulador não conseguiu adquirir o necessário para garantir estes direitos: a população instalando e operando as redes por conta própria e em seus próprios termos.

Embora a reforma constitucional tenha contemplado que as telecomunicações foram entendidas como um serviço público de interesse geral e que, entre outros, serão fornecidas em condições de concorrência, acesso livre e sem interferência arbitrária (artigo 6º); a posição do Governo Federal na discussão da lei era abertamente contrária à neutralidade da rede com base nos fatos e apesar do discurso da Estratégia Nacional Digital (que às vezes é e às vezes não é porta-voz do Executivo das políticas públicas sobre o assunto). Esta esquizofrenia institucional foi demonstrada especialmente quando o Governo Federal foi acusado no início de 2013 de ter censurado o site 1dmx.org em colaboração com a Embaixada dos Estados Unidos no México para pressionar os provedores de domínios GoDaddy. O diretor da EDN declarou-se incompetente para comentar a respeito, deixando essa tarefa para a Polícia Federal.

Os artigos 145 e 146 da lei na sua iniciativa davam espaço, declarou o então subsecretário de comunicações Ignacio Peralta, um cenário no qual ISPs poderiam cobrar de maneiras diferentes de provedores de aplicativos, conteúdo ou serviços (PACS) na Internet a fim de fazê-los “contribuir” em investimentos de infraestrutura. O argumento central das empresas de telecomunicações contra a neutralidade da rede em todo o mundo. Além disso, o artigo 146 permitia um número de interpretações que poderiam passar diferentes tipos de classificação por níveis, incluindo priorização (fastlanes/slowlanes). No artigo 145 estavam inclusas obrigações aos ISPs para bloquear PACS por meio de solicitação arbitrária de autoridades não especificadas e responsabilidades para os intermediários para censurar de forma discricionária ao impor a obrigação de interpretar possíveis violações de leis: a censura privada.

Produto da pressão social, expresso em manifestações nas redes mas também nas ruas, estas disposições tiveram que ser descartadas, deixando como resultado dois artigos sobre a neutralidade da rede, em uma leitura abrangente, fornece um quadro adequado para uma Internet aberta e livre … questão que, no entanto, ainda cabe ao Instituto Federal de Comunicações concretizar. E sobre este último ponto, as coisas não parecem boas.

O México adquiriu um certo traço de criação de órgãos constitucionais autônomos (fora do âmbito dos poderes executivo, legislativo e judiciário) para questões fundamentais da política, dois particularmente importantes para a Internet são o órgão regulador, o Instituto Federal de Comunicações (IFT) e o Instituto Nacional de Transparência, Acesso à Informação e Proteção de Dados Pessoais (INAI).

Este último aprovou no início deste ano uma resolução que instaurava no México uma versão do “direito ao esquecimento” ainda mais prejudicial à liberdade de expressão e ao acesso à informação do que o disposto na Europa com o caso Costeja. A resolução prevê uma fórmula simples e sem qualquer ponderação de direitos: o nome de uma pessoa é um dado pessoal e, portanto, a pedido do proprietário, os motores de busca da Internet devem desindexar os sites que forem requisitados.

Esta resolução começou a afetar diretamente os meios de comunicação que em suas notas denunciavam supostos atos de corrupção por políticos mexicanos, ligados à família do ex-presidente Vicente Fox. Por enquanto, tanto o Google (o primeiro motor de busca afetado) como a Fortune Magazine (via R3D), mantem esta resolução suspensa devido a um processo legal, espera-se, que possa afastar esta forma de censura. Em seu argumento, o Google alega que as leis mexicanas não são aplicáveis para o serviço de pesquisa, porque sua operação se dá nos Estados Unidos, enquanto na organização R3D defendemos uma visão onde a empresa está obrigada a respeitar a disposição sobre proteção de dados, enquanto combatemos a implementação desta resolução por violar a liberdade de expressão.

O escritório particular Eliminalia, chefiada por Dídac Sánchez (esperamos que não nos mandem apagar este texto dos buscadores de pesquisa) é o principal defensor do chamado “direito ao esquecimento”, declara que 80% de seus clientes são políticos e ex-funcionários em um país que é conhecido por altos níveis de corrupção e de conluio do crime organizado com autoridades do Estado. Ameaças legais nem sempre tomam a forma de um pedido direto ao Google e há meios de ceder à pressão, removendo diretamente o conteúdo de seus servidores. Este talvez seja um dos melhores exemplos de um problema maior, que mostra as deficiências do sistema regulatório mexicano apenas alguns meses após a reforma, que se presume girar em torno da convergência.

Enquanto o IFT está se preparando para o processo de promulgação de normas sobre a neutralidade da rede, as operadoras se apressaram para normalizar diferentes práticas contrárias a este princípio. Uma delas é a degradação deliberada de PACS, uma prática que é tangível, mas invisível para os usuários finais (não há nenhuma maneira de saber se uma operadora reduz a qualidade do serviço de forma deliberada ou se é um evento acidental); em relação ao Netflix, no seu relatório anual sobre a qualidade dos seus serviços em diferentes operadores no mundo, os ISPs mexicanos estão entre os piores avaliados.

Ao mesmo tempo, todas as operadoras fixas e móveis têm realizado ofertas comercias de pacotes de redes sociais gratuitas, zero rating, violando as disposições em matéria de neutralidade da rede da Lei Federal de Telecomunicações e Radiodifusão, e aproveitando o vácuo momentâneo de regras. No entanto, a padronização desta violação da neutralidade está tão avançada e organizada, que o próprio IFT em seu comparador de operadoras (um gráfico feito para ajudar os usuários a escolher a melhor) já apresenta ofertas de zero rating como uma vantagem a ser considerada pelo consumidor, mesmo antes de expedir normas sobre o assunto.

Além disso, o presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, iniciou desde setembro de 2014 conversações com Mark Zuckerberg para introduzir o Internet.org no México, uma forma ainda mais agressiva de zero rating. Embora tenha sido adiado por divergências para operar no âmbito da rede Telcel (como aposta o Facebook devido sua proximidade com Carlos Slim) ou da Telefonica Movistar; o IFT simplesmente permaneceu passivo e silencioso, apesar de ser um regulador particularmente equipado com ferramentas.

Além do argumento de “as OTTs devem também pagar pela infraestrutura”, os ISPs começaram a empunhar um discurso que posiciona a neutralidade da rede como um princípio excludente a políticas de cobertura, em sua lógica, eles precisam discriminar PACS para viabilizarem o negócio, ignorando o sistema de inovação na Internet, a liberdade de expressão e os próprios usuários. Quando os mexicanos lutam para se libertar de um padrão de concentração na televisão e rádio; pode em breve encontrar um novo, maior e mais complexo, na Internet. Se houvesse uma legislação com princípios que impedisse diretamente o INAI impor o “direito ao esquecimento” este o acataria? A experiência do IFT deixa dúvidas.

*Carlos Brito é Diretor de Advocacia de R3D, Red en Defensa de los Derechos Digitales.

Imagem: (CC BY-ND-NC) Joris Lootens