Desafios na área de regulação digital para o novo Governo do Chile
by Digital Rights LAC on março 1, 2014
Em março deste ano começa o mandato do novo Governo do Chile, e qualquer política de desenvolvimento digital que implemente deverá considerar uma variedade de direitos, criando regulações que permitam um desenvolvimento sustentável, além das palavras-chave, como direito digital, “smart cities”, empreendedorismo, inovação ou interrupção.
Por Francisco Vera
O desenvolvimento digital de um país não está separado da regulação que o sustenta. Não se limita a avançar lugares nos rankings de acesso à tecnologia ou de governos eletrônicos, mas se refere a uma abordagem integral, na qual as tecnologias digitais são consideradas ferramentas pelas quais as pessoas podem maximizar seu bem-estar e o respeito de seus direitos.
A mera afirmação de alguns setores de que seus interesses são os melhores para o país, não pode ser aceita sem antes fazer uma reflexão crítica sobre as implicações que estes têm para o desenvolvimento dos nossos direitos. Assim, o novo Governo terá que tomar várias decisões em termos de regulação de matéria digital, que impactarão os interesses públicos em diversos campos diretamente.
Privacidade e dados pessoais
O Chile conta com uma Lei de dados pessoais que, desde sua origem, foi catalogada como sendo feita “à medida das empresas”. Na prática, isso significa que os nossos dados hoje em dia estão na “terra de ninguém”, por causa de uma configuração fraca de direitos e mecanismos ridículos fazer cumprir os mesmos, obrigando os afetados a recorrer a tribunais para obter sanções efetivas contra este tipo de abuso.
Hoje se discute uma reforma desta lei, mas até agora o projeto não contempla a criação de uma agência de proteção de dados pessoais que daria ferramentas efetivas aos cidadãos para se defenderem dos abusos constantes que existem nesta área. No entanto, vários grupos, com interesses empresariais, pretendem manter o status quo, usando o fluxo livre de informação e conhecimento, os entraves que um regime mais eficaz apresentaria para o empreendedorismo digital, e outros argumentos como forma de manter e fortalecer o regime abusivo que existe hoje.
Direitos autorais e propriedade intelectual
Depois da reforma de 2010, ainda existem vários desafios a resolver. O primeiro, e mais grave, são as negociações do Acordo Transpacífico, que obrigaram o país a recuar, frente à voracidade da indústria do entretenimento que, a fim de proteger seus modelos de negócio, quer obter o controle do conteúdo que circula pela rede.
Por outro lado, ainda falta resolver múltiplos problemas vinculados à regulação dos direitos autorais: a possibilidade de usar e reutilizar a informação pública, especialmente aquela obtida de forma transparente; a revisão do sistema complicado de registro e transferência de direitos autorais que vigora hoje; e a criação de um sistema que permita o uso de obras, quando não for possível encontrar o titular dos direitos atorais (obras órfãs), entre outras coisas.
Sobretudo, face às reformas educativas que o novo Governo pretende implementar, cabe fomentar a adoção de novas políticas de propriedade intelectual relativas a textos escolares e materiais educacionais, visando a abertura de recursos, através do emprego de licenças de conteúdo que permitam a utilização (e reutilização) dos conteúdos financiados publicamente.
Governança da Internet
No plano internacional, o Chile é notório pelo seu déficit de participação em discussões fundamentais para os direitos digitais, que, hoje em dia sobretudo, se dão em múltiplos fóruns tais como a ICANN, que regula os nomes de domínio a nível internacional, o FGI (Fórum de Governança da Internet) e outros espaços parecidos, cuja característica distintiva é a participação das partes interessadas, ou stakeholders, que hoje é fundamental para a adoção de políticas públicas sustentáveis, informadas, e eficazes.
O Chile não pode continuar se dando ao luxo de não participar ou de ir reativamente às reuniões da ICANN, somente quando se discute a possível implementação de uma nova extensão do nome de domínio como: “.patagonia”. O país tem como desafio a elaboração de uma estratégia consolidada nesta área, compreendendo o problema como um que transcende o técnico e abarca o político, definindo claramente, e com a participação de todos os atores nacionais, o papel que o Chile deve ter nestes fóruns.
Apenas começando as suas funções, o novo Governo chileno terá que enfrentar vário desafios, como por exemplo determinar a participação na reunião sobre Governança de Internet que o Brasil está organizando em abril deste ano, ou definir a participação nacional em fóruns como a ICANN e o FGI, entendendo que a Governança da Internet é um tema de cada vez maior importância estratégica para os países, especialmente à luz dos escândalos de vigilância envolvendo a NSA.
Outros aspetos relevantes
Outro tema que provavelmente fará parte da agenda pública este ano é a discussão da atual reforma ao regime de delitos informáticos, que deverá garantir um equilíbrio razoável entre a punição destes delitos e o respeito de direitos humanos como o direito à privacidade e à liberdade de expressão.
No tocante ao governo eletrônico, há muito tempo tem se discutido como implementar um sistema de licenciamento de software que impeça a dependência de determinados fornecedores e maximize as externalidades positivas dos investimentos tecnológicos, permitindo que outros órgãos estatais (e não-estatais) utilizem e se beneficiem desses avanços. A resposta sempre foi clara, e é a adoção de licenças de software livre, mas chegou o momento de implementá-la de forma séria e coerente.
Finalmente, para sistematizar todos estes esforços é necessário desenvolver uma estratégia digital de direitos, que transcenda as relações públicas e se encarregue de avaliar rigorosamente os resultados de estratégias anteriores, e considerar seriamente os interesses do setor privado e da sociedade civil, com o intuito de criar um mapa que nos permita enfrentar o futuro digital de maneira unida e sustentável.