Compartilhar Não É Crime
by Digital Rights LAC on julho 30, 2014
Diego postou uma tese de mestrado da Universidade Nacional da Colômbia no Scribd, cinco anos após a publicação da obra e este ter sido disponibilizado na biblioteca da Universidade. Agora, Diego enfrenta um processo penal por violar direitos autorais, algo que pode significar 4 a 8 anos de prisão. A história de Diego abriu o debate que estava pendente para os colombianos: o equilíbrio entre o direito autoral e outros direitos, como o acesso ao conhecimento. Quisemos dar a palavra ao Diego, porque também estamos convencidos que #Compartilharnãoécrime. Fundação Karisma.
Carta aberta. De Diego Gómez*
Meu nome é Diego Goméz e, aos 26 anos, já defini que a minha grande paixão na vida é a conservação da biodiversidade. Disfrutando desta paixão, consegui um diploma de biologia da Universidade de Quindío.
Atualmente, estou fazendo um mestrado em Conservação e Gestão de Vida Selvagem na Costa Rica, e trabalhei em vários projetos de investigação e conservação de anfíbios colombianos em perigo de extinção com ONGs locais, nacionais e estrangeiras. Este caminho apenas começa e, apesar do apoio de muitas instituições, professores e pesquisadores, não tem sido de todo fácil. O que alcancei até agora atribuo aos méritos de trabalhar como voluntário para a conservação, e à persistência de querer e conseguir pesquisar na província, longe dos grandes centros acadêmicos de Bogotá e as principais cidades do país.
Estudar ciências (inclusive ciências biológicas) na província representa um nível maior de dificuldade, sobretudo porque as bibliotecas e hemerotecas são pequenas e não têm recursos para pagar os milhares de dólares que representam o acesso tanto a livros especializados quando a bases de dados mundiais mais importantes; situação que limita o direito ao acesso ao conhecimento dos estudantes, pesquisadores e professores que se encontram nestas regiões. Isso sem contar que os museus ou coleções biológicas são bastante escassos, ao que se soma o fato de que muitos dos professores universitários não alcançaram o grau de doutor que seus estudantes esperam.
Apesar destas restrições, aprendi sobre os anfíbios colombianos de maneira autodidata e com orientação de alguns professores de outras universidades, porque na época não existiam herpetologistas (quem estuda anfíbios e repteis) ensinando na Universidade de Quindío. Para acessar museus de história natural, juntava o que não gastava na universidade para poder viajar para Bogotá onde estão os maiores museus e as coleções biológicas do país. Ultrapassei estes impedimentos e com o tempo fui adquirindo livros, que familiares e professores me davam, cópias de artigos científicos que só os pesquisadores de anfíbios mais importantes do mundo têm nas suas bibliotecas pessoais e, junto com alguns colegas e professores interessados, criamos um grupo de estudo de anfíbios e repteis na minha universidade, sonhando que algum dia este se tornaria um grupo de pesquisa.
Com o grupo de estudo ativo, a carência de fundos para fazer a investigação não foi obstáculo e houve uma participação importante de estudantes que estavam começando o estudo da biologia. Para evitar que se desaminassem, pus todo o meu esforço em motivá-los com a experiência que havia adquirido. Primeiro através de apresentações, que facilitavam os aspectos básicos do estudo e a conservação dos anfíbios para compensar a carência de livros na biblioteca. Após a conclusão da minha tese e de trabalhar como voluntário para um dos programas de conservação mais importantes do mundo (Conservation Leadership Programme), além de ser consultor para a Wildlife Conservation Society, comecei a aconselhar os estudos ou as pesquisas sobre anfíbios da região, que os mesmos integrantes do grupo propunham. Também me liguei a alguns dos estudantes de projetos de conservação que realizava como voluntário na região. Durante todo este processo, nos demos conta de que, além da carência de professores especializados, museus e até da finalização de projetos, um dos maiores obstáculos para a conservação era o acesso à informação de pesquisas básicas que foram realizadas na Colômbia: para conservar, há que saber o que conservar, e o que se quer conservar se identifica através de pesquisas prévias.
A Internet foi um dos nossos principais aliados neste processo passional de pesquisa e estudo de conservação. Esta ferramenta diminuiu a brecha entre a nossa posição como estudantes e futuros pesquisadores da universidade provincial, e as grandes universidades e centros de pesquisa em Bogotá e outras cidades. Através da Internet, solicitávamos e acessávamos a informação necessária para planejar os nossos projetos de pesquisa e conservação, para definir os objetos de conservação, para publicar os nossos resultados e ajudar todos aqueles estudantes ou jovens pesquisadores que enfrentavam a mesma brecha das ciências, essa brecha que parece continuar existindo apesar de aparentar ter sido superado o elitismo nestas disciplinas.
A Internet, aquela ferramenta cada vez mais útil nas nossas vidas e que facilita o acesso ao conhecimento, foi o apoio para dar uns passos adiante no caminho da pesquisa de conservação da biodiversidade. No entanto, ter compartilhado conhecimento na Internet pôs em risco a carreira profissional que estou começando a construir com grande esforço. Com a popularização da Internet, compartilhar conhecimento online se tornou rapidamente em uma prática cotidiana entre os círculos acadêmicos. Como era comum entre os meus colegas, eu compartilhava documentos e informação que considerava pertinente para os nossos interesses científicos. Assumindo que compartilhei conhecimento como um ato de boa-fé, de gratidão por todo o apoio que havia recebido de outros investigadores na Colômbia e outros países, e o fazendo de voluntariamente, com fins acadêmicos e sem intuito de lucro, nunca imaginei que esta atividade pudesse ser considerada um crime.
Compartilhar não é crime. Certamente, para todos aqueles que não sabe o que aconteceu comigo, continua sendo algo inerente às nossas práticas sociais e comunitárias, nunca o associam com um crime. Na academia em geral, e nos temas tão especializados como aqueles com que eu trabalho, o importante é fazer uma citação correta, reconhecer o trabalho dos pesquisadores indicando seu nome e o ano da publicação e, desde cedo, não reivindicar o trabalho de outro pesquisador, mas reconhecer e valorá-lo. Por isso, o que fazemos normalmente é referenciar os achados e fazê-los chegar a quem precisa deles.
Há três anos, através de um grupo do Facebook no qual participavam interessados no estudo de anfíbios e repteis, conheci uma tese de mestrado que era fundamental para identificar alguns anfíbios que encontrava nos estudos de campo que realizava em algumas áreas protegidas do país. Para acessar esta informação, era necessário viajar para Bogotá e consultá-la na biblioteca, mas pensei que era algo que interessava a outros fora do grupo por isso a compartilhei na Internet. Embora não tenha sido o primeiro nem o único (o documento já estava disponível em vários sites) a compartilhar conhecimento respeitando a autoria de quem realizou a pesquisa, hoje o autor tem um processo penal contra mim por uma “violação de direitos patrimoniais de autor e direitos conexos”, me dizem que isto pode resultar em 4 a 8 anos de prisão para mim.
Em poucos meses a minha vida mudou. Agora estou aprendendo sobre audiências, imputações, juízes e advogados, estou muito preocupado e confuso. Sobretudo, me confunde que esta atividade que realizei com fins acadêmicos pode ser considerada um crime, e faz de mim um “criminoso”. Hoje, o que a grande maioria de pesquisadores e conservacionistas do país, que nos comprometemos com espalhar o conhecimento, faz, nos torna criminosos.
Hoje me surpreende que o que é indispensável para as atividades de pesquisa e conservação (compartilhar conhecimentp) possa ser considerado um crime. Hoje me surpreende que a pesquisa e o conhecimento gerado sobre história natural, taxonomia, sistemática, ecologia e muitos outros campos das ciências biológicas, que em regra não obedecem a lógica de mercado, sejam considerados análogos a um software ou uma obra artística para exploração comercial: que deixem de ser uma paixão e passem a ser um instrumento de mercado. Pela sua natureza, posso entender que para as editoras as publicações acadêmicas sejam instrumentos de mercado, mas me surpreende que alguns pesquisadores de ciências biológicas também considerem inerente, e sobretudo ilegal, que outros compartilhem seu trabalho sem intuito de lucro; o trabalho que muitos compartilhamos na Internet e pelo qual me acusam, foi o resultado de um ciclo de estudos de pós-graduação na universidade pública mais importante da Colômbia. Se não me engano, o que nos interessa como pesquisadores é a divulgação das contribuições que temos feito para a ciência, ainda mais quando estas vêm de uma instituição pública.
Acredito que o meu caso não é único, contudo, é possível que acabe preso mesmo estando convencido que “compartilhar não é crime”. Não somos criminosos por compartilhar o conhecimento, por pesquisar, por contribuir com o nosso esforço para a conservação da nossa biodiversidade e para o crescimento da ciência em Colômbia. O que você pensa?
*Biólogo. Estudante de mestrado em conservação da biodiversidade. Pesquisador de temas de conservação de anfíbios. Promotor da Aliança Nacional para a conservação de anfíbios na Colômbia.