Censura política na Internet: uma realidade no México (com um pouco de ajuda dos Estados Unidos e do GoDaddy.com)

by Digital Rights LAC on abril 2, 2014

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O site 1DMX foi censurado durante três meses, sem nenhuma explicação, com a ajuda dos governos do México e estadunidense, e ainda com o apoio de uma das maiores empresas de registro de domínios e hospedeira de sites. O que é que a censura política na Internet representa para os demais países da nossa região?

De Luis Fernando García*

No dia 25 de novembro de 2013, a coordenadora da Estratégia Digital Nacional anunciou um compromisso com o governo mexicano, de “respeitar absolutamente a liberdade de expressão na Internet”. Uma semana depois, no dia 2 de dezembro de 2013, o governo estava censurando a 1dmx.org.

Este site foi criado um ano antes, no dia 2 de dezembro de 2012, um dia depois da tomada de posse de Enrique Peña Nieto, que foi marcada por violência policial, detenções arbitrárias e até uma fatalidade pelas mãos da Polícia Federal. 1dmx.org se tornou um plataforma para receber, organizar e publicar os vídeos, as fotos e os testemunhos das violações de direitos humanos cometidas pelas forças armadas no dia 1 de dezembro de 2012.

Após um ano, no qual o direito ao protesto tem sido sistematicamente atacado no México pelo Governo e demais setores, nos dias anteriores ao aniversário dos protestos, a 1dmx.org publicou uma reflexão sobre a deterioração das liberdades públicas desde o 1° de dezembro e se preparou para documentar qualquer novo abuso que pudesse acontecer durante os protestos programados para dia 1 de dezembro de 2013.

Entretanto, no dia 2 de dezembro de 2013, um e-mail da GoDaddy.com, o fornecedor do serviço de registro do domínio 1dmx.org, informou os administradores do site que este havia sido suspenso por uma suposta violação dos termos de uso.

Ao serem solicitados detalhes sobre esta suposta violação, a GoDaddy.com avisou, em um segundo e-mail, que na verdade a suspensão fazia parte de uma “investigação policial em andamento” e avisou que, para mais informações, seria necessário contatar um agente especial do Departamento de Homeland Security da embaixada dos Estados Unidos no México. Ao ser contatada, a embaixada se recusou a dar qualquer informação.

Dada a participação da embaixada dos Estados Unidos no México, supõe-se que o pedido de suspensão do domínio veio de alguma agência mexicana, e com isso a 1dmx.org entrou com um mandado de segurança para combater judicialmente a censura, que claramente violaria a liberdade de expressão, e apontou dez autoridades como provável responsáveis por exigir a censura da página.

O pedido foi concedido por um juiz federal e as autoridades foram obrigadas a emitir uma declaração assumindo ou negando terem decretado a censura do site e, sendo responsáveis, justificando a constitucionalidade de tal censura. Até à data, oito meses após o fim do prazo para a emissão de tal declaração, oito autoridades negaram ter ordenado a censura do site. Contudo, a Secretaria de Governança e a Comissão Nacional de Segurança (tecnicamente parte da Secretaria de Governança) se recusaram a prestar tal declaração.

Ao mesmo tempo, um empregado da GoDaddy revelou que a agência que solicitou a cesura foi o Centro Especializado de Resposta Tecnológica (CERT), agência que faz parte da Comissão Nacional de Segurança. É por isso que, no dia 4 de março de 2014, a 1dmx.org decidiu divulgar o caso, realizando uma conferência de imprensa e denunciando a censura por meio do site: op1d.mx

Em menos de 24 horas, o domínio da 1dmx.org foi restituído, sem justificação para tal pela GoDaddy.com. As autoridades mexicanas e norte-americanas tampouco fizeram qualquer declaração pública sobre o tema. A impunidade dos responsáveis escondida pelos envolvidos. Uma coisa é incontroversa: a 1dmx.org foi censurada durante três meses. A censura da Internet no México não é uma ideia mas sim uma realidade.

Este caso por sua vez levanta várias questões que vale a pena serem consideradas ao longo do processo de discussão sobre governança de Internet, aos quais, de maneira cada vez mais frequente, se incorpora a linguagem jurídica dos direitos humanos.

Por um lado, este caso evidencia uma intenção real do governo do México de restringir a liberdade de expressão e enfraquecer o direito à privacidade na Internet. Intenção esta que continua se materializando em reformas legislativas como o Código de Processo Penal que aumenta os poderes de vigilância sem garantias adequadas; o projeto de modificações à matéria de direitos autorais que diminui as exceções e limitações aos direitos autorais na Internet, criminaliza usuários e estabelece um sistema de censura com base em alegadas infrações a direitos autorais na Internet; e a chegada da Lei de Telecomunicações que, numa versão filtrada, revela intenções de ampliar ainda mais os poderes de vigilância do Estado, de possibilitar a censura na Internet e de comprometer seriamente a neutralidade da rede. É claro que a linguagem do governo mexicano sobre seu suposto compromisso com os direitos humanos na Internet não tem credibilidade.

Igualmente, deve se destacar que a censura da 1dmx.org não teria sido possível sem a colaboração do Governo dos Estados Unidos e da GoDaddy.com. Esse fato deixou clara a necessidade de que, além de discursos sobre “liberdade na Internet” e declarações de relações públicas, é indispensável que governos e empresas estabeleçam processos transparentes e baseados em princípios de direito humanos para o tratamento de pedidos governamentais que comprometam a liberdade de expressão e a privacidade na Internet.

Foi sugerido reiteradamente que o poder dos Estados Unidos e das grandes empresas de Internet que se baseiam no seu território na verdade constituem uma benção para a liberdade de expressão na Internet. Considera-se bem-vindo um “imperialismo da primeira emenda”. Talvez seja o momento de revisitar essas afirmações, uma vez que em casos como o da 1dmx.org, foi precisamente o elemento extraterritorial que permitiu que fosse realizado com sucesso um ato de censura (abertamente violando a proibição de censura prevista de maneira inequívoca na Constituição do México e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos); e pior ainda, dificultou enormemente as possibilidades de defesa e a sanção dos responsáveis.

As implicações deste fenômeno deveriam ocupar uma posição importante nas discussões sobre governança de Internet, que, até agora, têm sido monopolizadas por vozes e interesses muito fora da realidade Latina Americana. Muito pelo contrário, acontecimentos como a censura da  1dmx.org, continuaram se repetindo e a erosão das liberdades que temos tido nas ruas do México continuam seu avanço pela Internet na América Latina.

*Luis Fernando García é advogado da 1DMX e especialista em direitos digitais. @tumbolian