Cada colombiano terá um e-mail oficial?

by Digital Rights LAC on novembro 29, 2014

email

Em toda a América Latina e no resto do mundo, o uso de tecnologias de informação e comunicação (TIC) para ajudar os governos a prestar serviços públicos e sociais aos cidadãos está em ascensão com uma tendência chamada e-governo. Embora os aspectos positivos associados à adoção dessas novidades na área das TIC sejam bastante autoevidentes, há preocupações legítimas associadas ao aumento da sua adoção ao redor do mundo.

 

Por Tyler Snell* e Pilar Saenz**

As agências estatais estão finalmente adotando essas tecnologias que muitos inicialmente estavam relutantes em adotar, na esperança de simplificar os procedimentos, aumentar a transparência, maximizar a velocidade e eficiência da comunicação, e aumentar a participação cívica através do uso eficaz do reino digital. De acordo com as Nações Unidas e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, o e-governo é um elemento de desenvolvimento inclusivo e sustentável. Embora os aspectos positivos associados à adoção dessas novidades na área das TIC sejam bastante autoevidentes, há preocupações legítimas associadas ao aumento da sua adoção ao redor do mundo.

Quase todas as bases de dados digitais existentes tem sido vítimas de ataques cibernéticos, e a maioria falha em algum momento, incluindo agências governamentais contendo informações fiscais e de saúde, agências de defesa, empresas multinacionais com fotos privadas e informações financeiras, bases de dados de escolas com históricos escolares, entre outras falhas de segurança que deixaram as informações pessoais sigilosas de milhões de pessoas vulneráveis. Defensores da privacidade e segurança solicitaram um debate sobre as vantagens e desvantagens da consolidação eletrônica de informações. A recentemente lançada Avaliação de E-Governo 2014 da ONU e o Fórum Global de EGoverno 2014 em Astana, no Cazaquistão do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU, que aconteceu nos dias 7 e 8 de outubro de 2014, são fóruns adequados para abrir esse tipo de debate. O Fórum Global focou em oficinas que incluíram a utilização da abordagem arquitetônica no setor público, tecnologias de convergência inteligentes e ciência de dados para um governo inteligente.

De acordo com a Pesquisa de E-Governo das Nações Unidas 2014, a região das Américas só perde para a Europa no seu Índice de E-Governo. Enquanto a Coreia do Sul, Cingapura e a Austrália ocupam os três primeiros lugares em nível internacional, os Estados Unidos e o Canadá são os líderes em e-governo nas Américas, ocupando o 7º e 11º lugar, respectivamente.Quando se trata de e-participação e cidadãos realmente fazendo uso dos serviços de governo digital, o Uruguai ocupou o 3º entre todos os países e a Colômbia o 8º lugar, devido ao relativo alto uso de E-informação, E-consulta, E-tomada de decisão desses dois países. Não é de se surpreender então que na América Central e no Caribe esses índices sejam mais baixos em comparação com o resto da América Latina e do mundo.

Uma tendência interessante e única na adoção do E-governo em países de fala espanhola tem sido a inclusão de documentos oficiais de estado, acadêmicos e médicos em uma prática pasta na nuvem, chamada Pasta Cidadã. A Espanha e a Colômbia foram os dois países que primeiro adotaram essas bases de dados digitais consolidadas em escala nacional, enquanto algumas cidades e municípios de outros países adotaram as Pastas Cidadãs para governos locais. Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, Panamá e Uruguai têm buscado políticas semelhantes, mas ligeiramente diferentes, criando listas de serviços estaduais que são capazes de operar online, mas não são necessariamente mantidas em uma pasta na nuvem ou administradas por uma única agência governamental. Embora esses países não consigam consolidar suas informações de forma tão agressiva quanto a Espanha ou a Colômbia, eles deixam uma maior margem de segurança para a informação, caso uma das bases de dados do governo seja hackeada, de forma que nem todos os seus dados médicos, acadêmicos e pessoais fiquem expostos.

A Pasta Cidadã Colombiana fez parte do Plano Vive Digital 2014-2018, do presidente Juan Manuel Santos e do Ministro de TIC Diego Molano Vega que incluiu a criação de uma aliança público-privada proposta para fornecer a cada cidadão colombiano uma pasta livre e na nuvem com sua própria conta de e-mail, identificação de digitais, histórico médico, histórico acadêmico, certidão de nascimento, informações de passaporte e certidões estaduais. Para os colombianos, este conjunto de documentos oficiais deve evitar fraudes relacionadas à realização de fotocópias de identificações estaduais, mas também explora um conjunto diferente de problemas associados com o armazenamento online de material sigiloso. Ainda não está claro se esta Pasta Cidadã ou mesmo o e-mail oficial será obrigatório para todos os cidadãos e se cada hospital irá salvar automaticamente o histórico médico de seu paciente nesta pasta na nuvem, ou se os colombianos poderão optar por não participar.

Perante o anúncio na Colômbia do projeto de “Carpeta Ciudadana” (pasta cidadã), começaram a ouvir algumas vozes em oposição. Particularmente, na lista de discussão do coletivo “RedPaTodos” foi realizado um mapeamento de informação que poderia estar relacionada com este projeto. À luz das descobertas, parece que este não é um projeto em discussão, aberto a comentários, mas uma iniciativa que já está em desenvolvimento. Sobre a possível implementação foram estabelecidas algumas preocupações e diante da iminência da implementação, inclusive foram estabelecidas algumas considerações para sua colocação em prática. As preocupações incluem a possibilidade de coação entre o governo e os entes privados que implementem a iniciativa, o roubo de informação sensível, a possível suplantação de identidade ocasionada por violações ao sistema, a utilização da plataforma para a violação de direitos civis, incluindo a impossibilidade de realizar denúncias ou apresentar queixas a instâncias oficiais de forma anônima. Dentro das considerações para sua implementação assinalou-se: a obrigatoriedade de manter a informação da “carpeta ciudadana” (pasta cidadã) codificada, que a implementação deve ser realizada com Software Livre, e utilizando Protocolos e padrões abertos. A implementação de uma infraestrutura descentralizada para o armazenamento da informação. Sobre a mesma informação foi estabelecida a necessidade de ter uma autorização expressa do cidadão para o acesso e uso de sua informação e uma regulamentação clara que especifique os direitos dos usuários, do Estado e das instituições que têm acesso à informação.

Diante da falta de informação que rodeia o projeto colombiano, a primeira ação concreta, empreendida pelo coletivo, foi a solicitação via direito de petição ao ministério TIC, da informação sobre o status atual da iniciativa, as licitações e convocações realizadas no marco do projeto, os estudos técnicos que considerem os mecanismos para garantir a proteção da informação dos usuários, a segurança desta informação e os critérios tecnológicos relacionados com a implementação. Diante da falta de resposta para esta solicitação de informação está sendo exercida uma ação de tutela que ordene ao Ministério TIC dar resposta ao direito de petição.

A Espanha está deixando cada uma de suas várias províncias determinar a extensão dos serviços que suas Pastas Cidadãs oferecem, mas seus objetivos são semelhantes aos da Colômbia. Os objetivos explícitos são para garantir a segurança da identidade digital dos cidadãos espanhóis e aumentar e facilitar a comunicação entre o Estado e seus cidadãos. Somente algumas cidades possuem uma conta de e-mail oficial, enquanto outras incluem históricos médicos e acadêmicos. Quase todas as Pastas Cidadãs em toda a Espanha oferecem a capacidade de pagar multas, arquivar relatórios policiais, e renovar os seus cartões de identificação estaduais oficiais.

Colômbia e Uruguai obtiveram um desempenho relativamente bom nos serviços de governo eletrônico, graças a estímulos nacionais que começaram há mais de uma década atrás, para incorporar as TIC a fim de modernizar suas democracias e envolver os seus cidadãos. Outros países da América Central, no Caribe, como El Salvador e Guatemala, têm ficado para trás devido à falta de recursos e foco político no egoverno, embora, à medida que a penetração da Internet aumente em toda a região, isto certamente mudará. A Colômbia e a Espanha estão entre os primeiros países ibero-americanos a criar um Ministério das Tecnologias de Informação e, como resultado, muito tem beneficiado dos esforços concentrados liderados por esses ministérios. Talvez é por isso que eles têm buscado uma estratégia de governo
eletrônico mais agressiva, criando a Pasta Cidadã. Resta ainda ver se essas políticas de e-governo, como a Pasta Cidadã, que são projetadas para melhorar a segurança digital, serão capazes de cumprir os seus objetivos declarados, ou se, de fato, colocarão as informações sigilosas de seus cidadãos em maior risco, consolidando-as em uma base de dados presumivelmente segura, porém provavelmente “hackeável”.

*Tyler Snell Google Policy Fellow na Fundação Karisma (junho – setembro 2014).
**María del Pilar Sáenz, Física de profissão, ativista por vocação. Defensora do software livre, das tecnologias abertas e da cultura livre. Trabalho na Fundação Karisma e faço parte dos grupos RedPaTodos e Hackbo. @mapisaro