Ativismo e Internet

by Digital Rights LAC on junho 30, 2014

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MIGUEL LAGO*

“O que vocês promovem é ativismo de sofá” Essa é uma declaração que todos que usam a internet como meio de mobilização cívica algum dia já escutaram. A lógica é interessante, e a primeira vista parece fazer sentido. Um clique por si só, não parece traduzir, nem revelar gigantesco engajamento por uma causa. Afinal, se uma causa importa, faremos muito mais do que um clique, não é mesmo? Sim, se as condições materiais que o mundo oferece a cada cidadão fossem perfeitas. Sim, se o cidadão não precisasse trabalhar, pagar contas. O grau de participação direto nas decisões da democracia ateniense era possível, dado que havia escravidão e que os cidadãos atenienses não precisavam trabalhar. A escassez do tempo não existia. Logo, como democratizar e abrir mais frentes de participação nas sociedades modernas, ir além do voto, na configuração atual do mercado de trabalho, que torna o “tempo livre” escasso? A internet pode ser a resposta para essa problemática.

A crítica que se faz ao ativismo de sofá, e que atribui menor valor às mobilizações “online” costumam vir de alguns intelectuais e ativistas, que pela configuração de sua realidade trabalhista podem dispor de tempo para se engajarem: seja profissionalmente (trabalho em ong, academia), seja em correlação a sua profissão. Logo, é possível tomar parte em assembléias, reuniões, se engajar de maneira mais duradoura, contínua e em atividades que efetivamente demandam mais tempo para serem desenvolvidas. Essa infelizmente não é a realidade da imensa maioria dos trabalhadores, que no Brasil devem cumprir com as suas 44 horas semanais, além de contar com um deslocamento médio nas grandes metrópoles, da casa ao trabalho, de cerca de uma hora. Ou seja, pelo menos 50 horas dedicadas exclusivamente ao seu trabalho. Logo, quando falamos de participação plena é muito bonito, mas nem todo mundo pode ir pras ruas de tarde, ou cabe num anfiteatro onde esteja acontecendo um fórum, porquê infelizmente as pessoas tem que trabalhar. Enquanto as pessoas tiverem que trabalhar, sempre será um grupo seleto de pessoas que participará da vida política.

Dentro desse contexto, a grande vantagem do ativismo digital é que ele rompe com essas barreiras temporais e espaciais. Você pode participar a qualquer momento e com o nível de engajamento que o tempo que a sua configuração de trabalho permite. Você pode participar de casa, do trabalho, do ônibus. E se o que você tem disponível para se engajar é apenas cinco minutos ao dia, a internet te permite isso. O ativismo online é a única forma de assegurar a inclusão democrática da maioria da população trabalhadora na participação política. É a única maneira que existe, na configuração atual, de garantirmos que o máximo de pessoas participem.

No caso do Brasil, é claro que o ativismo online, apesar de inclusivo é também excludente, pois grande parcela da população ainda não tem acesso à internet. Mas essa tendência está se invertendo cada vez mais. E mais vale uma tendência em queda, do que a permanente exclusão que tempo e espaço criam.

Mas não basta ter internet para incluir as pessoas. É necessário fazer bom uso da internet. Efetivamente reclamações que não consigam canalizar demandas, ou articular causas, não geram mudanças. Redes de mobilização tais quais Avaaz, Change, All Out, e Meu Rio são capazes de ajudar as pessoas a articularem demandas, conectá-las com os tomadores de decisão, para os quais as mesmas devem ser enviadas, e criar uma comunidade de solidariedade em torno de causas múltiplas. Cabe a essas redes diferentes experiências e interfaces de participação calibradas para o nível de engajamento que a configuração de cada trabalhador permite.

E funciona. A Rede Meu Rio em apenas dois anos permitiu que cariocas mudassem a constituição do Estado, para impedir que “fichas sujas” fossem nomeados para Administração Pública direta ou indireta, impedissem uma flexibilização da legislação ambiental, viabilizassem a criação uma delegacia especializada em desaparecimentos, e ainda evitassem que a décima melhor escola do país fosse demolida. Em dois anos, foram mais de trinta mudanças de políticas públicas na cidade.

O ativismo que se dá no espaço online é a possibilidade no Brasil de democratizar a disputa política de maneira contínua e constante, que por muito tempo ficou nas mãos de vanguardas e elites. A lógica do “somos poucos, mas somos bons” deve e será substituída por “somos múltiplos, e somos transformadores”.

*COORDENADOR DA ONG MEU RIO