18 meses de prisão por opinar na Internet
by Digital Rights LAC on agosto 29, 2014
O caso apresenta um cenário pouco favorável para a defesa da liberdade de expressão na esfera digital colombiana. A liberdade de expressão não é só acessar informação, também é defender a possibilidade de divulgá-la e expressar livremente o que pensamos.
Recentemente foi condenado a 18 meses de prisão e uma multa de 9.5 milhões de pesos (aproximadamente 4.500 USD), na Colômbia, um internauta por injuriar uma funcionária pública em um comentário na edição digital do jornal El País da cidade de Cali. A Suprema Corte de Justiça descartou os argumentos do defensor do internauta em uma apelação.
No dia 28 de novembro de 2008, apareceu uma notícia no El País intitulada “Seguem as prisões pelo cartel de bolsas de estudo das Emcali (Empresas Municipais de Cali)” e, usando o pseudônimo “Com Memória”, Gonzalo López comentou a notícia escrevendo: “Y con semejante rata como es Escalante que hasta del Club Colombia y Comfenalco la han echado por malos manejos que se puede esperar… el ladrón descubriendo ladrones? bah!” A notícia se referia à Gloria Lucia Escalante, que na época era a gerente administrativa e de recursos humanos da Emcali.
Na primeira instância, o décimo juizado penal municipal absolveu López, indicando que a promotoria não teve êxito em identificar López como o autor, e ainda que o único erro que López cometeu foi repetir o que já se dizia publicamente. Em recurso, o Tribunal Superior de Cali revocou a absolvição e o condenou por injúria. E, como já foi dito, posteriormente a Suprema Corte negou provimento ao recurso.
O caso apresenta um cenário pouco favorável para a defesa da liberdade de expressão na esfera digital colombiana. A liberdade de expressão não é só acessar informação, também é defender a possibilidade de divulgá-la e expressar livremente o que pensamos. Por isso, a participação cidadã é fundamental para a prestação de contas e para a democracia. Existe um limite, nem toda a expressão está protegida, pois pode violar outros direitos. No entanto, na análise deve se considerar que o poder coercitivo do direito penal é uma ameaça à livre circulação das ideias. O poder do direito penal deve aplicar-se de forma excepcional, em casos extremos e não somente para calar vozes incômodas. No seu Informe para a ONU sobre liberdade de expressão de 2011, o relator especial Frank La Rue dizia: “o direito à liberdade de expressão inclui os pontos de vista e opiniões que ofendem, chocam ou perturbam”. De fato, a Corte Constitucional colombiana diferencia entre informação e opinião, aceitando um critério mais amplo para esta última. Desta forma, expressões ofensivas ou chocantes são aceitáveis, sobretudo se se trata de questionar funcionários públicos, conforme apontado para a mídia pelo diretor da Fundação para a Liberdade de Imprensa (FLIP) falando sobre este caso.
Muitos na Colômbia têm considerado que a decisão está correta, porque a Internet deve ser extensa a responsabilização pelo que cada um diz. No entanto, isto não considera os standards de liberdade de expressão que também existem na rede, ou seja, a tensão que existe e deve ser analisada em cada caso. Os relatores especiais para a liberdade de expressão das Nações Unidas, da Organização de Estados Americanos, da Organização para a Segurança e Cooperação Europeia e da Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos têm dito: “A liberdade de expressão se aplica à Internet do mesmo modo que a todos os meios de comunicação”. Consequentemente, não se trata simplesmente de fazer do comentarista um exemplo, mas sim de revisar o contexto geral para analisar também o seu impacto na liberdade de expressão.
Adicionalmente, embora não tenha sido objeto de análise e tenha passado bastante despercebido na mídia, o caso debilita, de forma importante, o direito dos colombianos a se expressarem de forma anônima. Uma sanção tão desproporcional como a que o Tribunal outorgou não reconhece este direito e apoia, tacitamente, afirmações como a de Luis Guillermo Restrepo, diretor do jornal El País, que disse à mídia que não existe o anonimato na rede e que este caso representa a consequência do abuso de usar pseudônimos para agredir, em espaços criados para compartilhar opiniões. Fortalecer estas concepções tem uma consequência colateral que é a debilitação de uma garantia que existe para aqueles que estão em posição vulnerável. Não reconhecer a necessidade de manter e defender espaços de anonimato é esquecer que “a proteção do discurso anônimo favorece a participação das pessoas no debate público já que – ao não revelar sua identidade – podem evitar ser objeto de retaliação injusta pelo exercício de um futuro fundamental”, como afirmou a relatora para a liberdade de expressão da OEA, Catalina Botero.
Sem dúvida, existe uma insatisfação geral na sociedade colombiana com o excesso de foros abertos na Internet, que frequentemente são alvo de insultos. Mas precisamente este fato faz com que hoje a própria sociedade não dê credibilidade de informação a estes espaços. Hoje em dia, ninguém acredita que o que lá se diz seja algo mais que opiniões gerais. Talvez sirvam de termômetro de opinião, são considerados espaços de desabafo ou, simplesmente, como classificou Carlos Cortés, “paredes de um banho público”.
Na sua sentença, o Tribunal cometeu uma grande falha, porque não conseguiu ultrapassar a indignação por tantas outras ofensas semelhantes, não tentou analisar o caso à luz dos standards da liberdade de expressão o que o obrigaria a considerar que, em casos como este, trata-se da opinião de um cidadão sobre uma funcionária pública, que merece uma tolerância especial, e não pensou que, para a democracia, é pior que estes espaços, que sem dúvida são espaços de opinião pública, não existam. O Tribunal estabeleceu uma sanção excessiva para limitar uma opinião cidadã que não é informativa, não é decisiva para influenciar o debate público, e não lesiona gravemente o direito de outra pessoa. A Suprema Corte não aproveitou para fazer uma análise urgente sobre como aplicar os princípios legais existentes a um território especial e necessário para o exercício de direitos como é a Internet.
O mais preocupante sobre este caso é que abre uma porta perigosa na Colômbia para declarações ou juízos de valor incômodos ou críticos. O fato da Internet ser uma mídia de massa onde se diz e se encontra de tudo, não deveria ser incentivo para desenhar ou aplicar normas legais que restrinjam o direito à liberdade de expressão. Este caso nos coloca diante da latente ameaça de nos autocensurarmos por medo de uma retaliação penal, ferindo o livre fluxo de ideias e opiniões, e delimitando o debate público, plural e participativo.
Além disto, o caso colombiano é especialmente exagerado se o compararmos com a falha que ocorreu quase simultaneamente na Costa Rica, onde um usuário foi absolvido por criticar a presidenta Chinchilla nas redes. O juiz costarriquenho afirmou, neste caso, que “o limiar de tolerância que se espera da pessoa que detêm a Presidência da República é muito alto”. Talvez a solução não seja a sanção penal, mas a alfabetização digital. Por enquanto, outros afirmam que, se se aplicasse esta regra, muitos estariam em fila para ir para a cadeia (especialmente políticos conhecidos que não economizam em insultos nas suas redes sociais).