É Lei o Acesso Aberto à pesquisa científica financiada por fundos públicos na Argentina

by Digital Rights LAC on dezembro 21, 2013

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Por Beatriz Busaniche*

“Art. 1o: os organismos e instituições públicas que compõem o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, conforme prevê a lei 25.467, e que recebem financiamento do Estado nacional, deverão desenvolver repositórios digitais institucionais de acesso aberto, próprios ou compartilhados, nos quais se depositará a produção cientifico-tecnológica resultante do trabalho, formação e/ou projetos financiados, total ou parcialmente, por fundos públicos, de seus pesquisadores, tecnólogos, docentes, bolsistas de pós-doutorado e estudantes de mestrado e doutorado. Esta produção cientifico-tecnológica cobrirá o conjunto de documentos (artigos de revistas, trabalhos técnico-científicos, teses acadêmicas, entre outros) que sejam resultado da realização de atividades de pesquisa.”

Com este parágrafo como o artigo 1o, o Congresso Nacional finalmente aprovou uma reivindicação de longa data sobre a maior parte da comunidade acadêmica nacional, bem como organizações da sociedade civil que acreditam que o que é publicamente financiado pertence a nós, como sociedade, e deve ser livremente disponível.

A lei indica, ainda, que os pesquisadores, tecnólogos, docentes, bolsistas de pós-doutorado e estudantes de mestrado e doutorado cuja atividade de investigação seja financiada com por fundos públicos devem depositar ou autorizar expressamente o deposito de uma cópia da versão final de sua produção cientifica-tecnológica publicada ou aceitada para publicação nos repositórios de acesso aberto e se suas instituições. Para isso, se outorga, ainda, um prazo não maior que seis meses desde a data de publicação oficial ou aprovação. A norma alcança também os dados primários das pesquisas.

Com uma lei como esta, a Argentina se posiciona de maneira sólida no movimento global de acesso aberto a informação cientifica e tecnológica.

Este movimento global vem trabalhando a partir dos princípios de livre acesso à informação científica, um campo particularmente complexo como alguns outros que sofrem as consequências do restritivo e generalizado sistema de propriedade intelectual e generalizada.

Nas últimas décadas, o sistema de apropriação privada das pesquisas realizadas com fundos públicos tem se perdido. Pesquisadores, de diversos níveis, que trabalham com fundos estatais, necessitam publicas seus trabalhos para continuar suas carreiras no sistema cientifico. Ao mesmo tempo, dependem de revistas que se apropriam de maneira monopólica desses resultados, mediante o sistema de Direitos Autorais, que logo vendem essa produção às mesmas instituições que as realizaram.

O círculo vicioso desta prática é eloquente: o Estado financia a investigação, o Estado financia a revisão dos trabalhos, o Estado existe que o pesquisador publique – para endossar sua carreira -, mas o resultado dessas pesquisas é transferido, por propriedade intelectual, a uma revista privada que, por sua vez, tem um mercado cativo: seus principais compradores são as mesmas universidades, instituições de pesquisa públicas e privadas que precisam se manter atualizadas sobre o estado das tecnologias nos diversos pontos da ciência. O Estado financia toda a cadeia de produção, a revista se apropria do resultado e o vende ao próprio Estado.

O movimento de acesso aberto luta, há anos, para quebrar este ciclo vicioso. Na Argentina, a aprovação por unanimidade da Lei de repositórios institucionais no Senado tem uma contribuição substancial nesse sentido.

O dilema da propriedade intelectual

As poucas objeções que geraram discussão da lei em áreas legislativas estavam relacionados com a alegada violação de propriedade intelectual que podem surgir a partir desta lei. Certamente, virá do lado que afirmam as partes interessadas. No entanto, essa posição é totalmente sem fundamento quando entende-se o significado e o propósito do sistema de propriedade intelectual.

O sistema de propriedade intelectual, na Argentina representado pela Lei N 11.723, tem um objetivo utilitarista. Isto significa que a lei é uma política pública que tem como finalidade a promoção da publicação de obras, o desenvolvimento das artes e da ciência, com o objetivo de nutrir o domínio público e riqueza intelectual. Se entende, então, que a Propriedade Intelectual não é outra coisa senão um sistema de incentivos à produção e publicação de obras.

No âmbito cientifico, os sistemas de incentivos a produção funcionam de um modo totalmente diferente, já que os pesquisadores e docentes do sistema público contam fundos nacionais para realizar seus pesquisas e o próprio sistema os condiciona à publicação. Os cientistas não vivem do sistema de direitos autorais, mas do salário e dos fundos que se destinam a seu trabalho por parte das instituições de pesquisa, universidades, etc. Incluído no sistema de propriedade intelectual estrito, a maioria dos pesquisadores não recebem pagamento algum pela publicação de seus trabalhos.

Ou seja, o sistema de incentivos para a produção e publicação não só permanece intacta com esta lei, como também promove a melhoria do acesso a obras que os próprios cientistas produzem, o que agrava a divulgação, promoção e reconhecimento seu trabalho a serviço da ciência.

Não podemos, então, mais do que concordar com as palavras do Secretário científico conjunto do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ceccatto técnico Alejandro, que disse que “sancionar a lei é uma resposta à posição monopólica das grandes editoras internacionais que concentram a publicação de pesquisas cientificas”. “O objetivo é que a produção cientifica financiada pela sociedade seja acessível. É inaceitável que, se o Estado Nacional financia a pesquisa de uma pessoa, depois a sociedade não possa acessar este conhecimento”.

Na região, somente o Peru contava com uma legislação deste gênero. Outros países como o Brasil vêm discutindo há tempos, porém sem maiores resultados em matéria legislativa. Nos EEUU, as pesquisas médicas financiadas com fundos do governo federal são de acesso aberto e tudo que é produzido pelas agencias federais é de domínio público (um exemplo interessante é a produção cientifica da Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço (NASA – sigla em inglês). A União Europeia tem optado por políticas isoladas, ainda que o discurso público seja de promoção do acesso aberto. A Argentina se posiciona assim como um dos primeiros países a estabelecer uma política pública generalizada a toda pesquisa financiada publicamente, cobrindo assim vocação de serviço público da ciência financiada pelo Estado Nacional para beneficio da sociedade em conjunto.

*“É lei o acesso aberto à pesquisas cientificas financiada por fundos públicos na Argentina”, por Beatriz Buzaniche se encontra sob uma Licencia Creative Commons 4.0 Internacional.